Inquieta por um artigo BBC sobre "Por que trabalhadores em funções heroicas recebem menos", resolvi escrever esse artigo provocativo e reflexivo sobre os heróis da conservação, os heróis defensores das matas, águas e da vida.
Historicamente, os primeiros defensores da conservação da biodiversidade em nosso território, são os povos indígenas. Com seu modo de vida baseado no respeito e vínculo genuíno com a natureza - se reconhecendo e vivendo como parte dela, eles são até hoje os responsáveis pela proteção de nossas matas, nossa água, nossa vida.
Com a colonização, e todos os movimentos gerados, outros defensores como comunidades quilombolas, povos ribeirinhos, pescadores artesanais, marisqueiras, entre outros, foram surgindo junto a papéis criados socialmente como os guarda-parques que trabalham nas mais diferentes funções protegendo nossa sociobiodiversidade de tantas ameaças diárias.
Mas... porque os heróis e defensores são tão desvalorizados financeiramente e socialmente?
Segundo a matéria da BBC comentada anteriormente, ironicamente, quando acreditamos que aquela pessoa está vinculada a uma profissão heroica, tendemos a aceitar mais cortes em suas verbas e desvalorização financeira do seu trabalho. Afinal, ela está servindo a sociedade, não deveria desejar ser valorizada por isso. Aqui, complemento com a influência cristã em nossa forma de pensar e agir dentro de uma sociedade capitalista, acreditando que o sacrifício leva à vida eterna e à porta estreita para se tornar um homem de bem.
Porém, quando falamos em defesa do meio ambiente, há algo muito antes do "olhar heroico".
A verdade é que a maioria das pessoas, organizações, empresas e os demais seguimentos da sociedade, não consideram relevante ou necessária a defesa da natureza. Se a mata estiver pegando fogo, elas podem enxergar a relevância da urgência, porém sempre como trabalho voluntário e aqui se encaixa a narrativa de herói. Mas se estamos falando de um guarda-parque que arrisca sua vida à frente da gestão de um Parque Nacional pressionado pelo garimpo, a sociedade não enxerga a relevância desse profissional (muitas vezes nem a própria instituição que esse profissional está vinculado). Indo mais além, quando falamos de uma liderança indígena que está no congresso brasileiro defendendo a demarcação do seu território, e consequentemente proteção da sociobiodiversidade, muitas pessoas se questionam porque aquele povo segue vivendo daquela forma e não vai "arranjar um trabalho".
Ou seja, o trabalho realizado diariamente pelos defensores da conservação, não é enxergado como trabalho e contribuição social.
Me questiono se vamos atingir esse momento de eureca! da sociedade quando finalmente precisarmos comer dinheiro porque não teremos mais água potável nem floresta em pé.
Por fim, no caso dos heróis da conservação, acredito que sua desvalorização é porque estes seguem sendo vistos como figurantes perante a sociedade cega em um modo operandis e modo pensantis capitalista.
Aproveito e deixo uma provocação para organizações ambientais, empresas sociais e demais organismos atuantes na área de conservação socioambiental:
Se não formos nós a nos valorizarmos quanto profissionais, desde o profissional que trabalha na estratégia da organização até as comunidades e profissionais que estão fazendo-acontecer e arriscando sua vida no território, porque esperamos que aqueles que não compreendem ainda a importância da conservação da sociobiodiversidade, o façam?
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